RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO SUPERENDIVIDAMENTO BANCÁRIO




Por: Dr. Luciano Aparecido Caetano de Souza
Psicanalista, Advogado, Vice-Presidente da Comissão e Direito do Consumidor da Subseção de Anápolis/GO.

É inerente à natureza humana o desejo de possuir. Em primeira letra possuir para produzir, como a empresa que adquire maquinário objetivando produção; em segundo momento, adquirir para consumo próprio.

Na via de adquirir para consumo, há os que constroem planejamento financeiro para compra do bem ou serviço desejado. Contudo, em outra ponta, há os que desejam, ou precisam, de possuir de forma imediata, seja por ausência de planejamento financeiro ou decorrente de necessidade, vendo-se compelido a contratar (consumir) crédito.

Nesse ponto destaque que o consumo de crédito ocorre em duas circunstâncias: consumo consciente e o consumo irresponsável. O primeiro orçamenta o crédito a ser contratado, o segundo não.

O consumo sem responsabilidade de crédito traz série de elementos motivacionais, partindo da psiquê de compulsão, alcançando a indução ao crédito por estratégias de neuromarketing que leva o cliente a contratar sem planejar ou realmente desejar.

O Consumo de crédito surge em modalidades, caminhando da caderneta de “fiado” no mercado popular de bairro, ao crediário próprio de lojas de departamento, alcançando o crédito direto ao consumido bancário.

Os créditos de lojistas em crediário próprio, ou os de confiança nas relações, não trazem em si, ao fornecedor, segurança informativa sobre a real capacidade do consumidor em pagar; sequer se possui, o mesmo, contratos outros.

Diferente do crédito direto ao consumidor bancário, os entes membros do SFN (bancos, cooperativas, consórcio), possuem acesso à sistema comum à eles: sistema financeiro nacional (SFN).

Via Banco Central do Brasil acessam as entidades financeiras informações de contas bancárias, contratos de crédito em vigor e liquidados, via nominados sistemas SCR, REGISTRATO, entre outros, todos do Sistema Financeiro Nacional.

Informações essas cujo acesso, antes, era uma faculdade aos fornecedores de crédito, transformando-se em dever com a inclusão do artigo 54-D, II, ao código de defesa do consumidor (CDC).

Leia-se novamente: DEVER!

Tal alteração implica aplicabilidade objetiva de responsabilidades nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), cabendo não apenas ao consumidor a contratação consciente de crédito, como, em mesma proporção, o dever do ente financeiro em fornecer crédito com critérios.

Nesse ponto que a Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento) acresce em a cártula consumerista o artigo 54-C a proibir, na esfera publicitária e no ato cognitivo da contratação, fornecimento de crédito sem consulta aos sistemas de restrição ao crédito e avaliação da situação financeira do consumidor.

Essa mudança legislativa impõem ao fornecedor de crédito o dever de precaver o consumidor pela contratação compulsiva ou por indução, objetivando que o mesmo mantenha sua capacidade financeira e, por consequência, sua dignidade social, econômica, enfim, humana.

Sendo o superendividamento configurado como sendo o acúmulo de compromissos financeiros concomitantes e concorrentes, cujos valores de pagamento ultrapassem o razoável diante da capacidade financeira do consumidor, alterando a renda mensal do mesmo de forma a lhe decotar a condição econômica de manter padrões de dignidade.

O bem tutelado nessa letra é em homenagem ao princípio da dignidade humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna.

Atentando-se, principalmente, quando a renda comprometida trata-se de natureza alimentar, como delineado em o REsp 1.186.965-RS[i].

Adiante, a responsabilidade objetiva das instituições financeiras, com a Lei do Superendividamento, vai além de critérios econômicos, buscando a condição pessoal do contratante, se idoso, vulnerável por situação de necessidade, analfabeto, como descrito em inciso IV do artigo 54-C do código de consumo.

Situação pessoal do consumidor que exige legalmente às instituições “informar e esclarecer” quanto ao consumo consciente de crédito, aos contratantes alquebrados por vulnerabilidade, vindo ordenamento expresso em o artigo 54-D, I, CDC.

Exatamente sobre essa capacidade de avaliar a capacidade do consumidor em contratar débitos sem detrimento de sua dignidade, que a lei 14.181/2021 reafirma a responsabilidade objetiva do artigo 14, CDC, prevendo ao paragrafo único do artigo 54-D a penalidade por descumprimento.

Penalidade essa que, seja na esfera administrativa (BACEN, PROCON), ou na judicial, facultará ao consumidor a busca por adequar em ato revisional de contrato a alteração de juros, encargos, prazo de pagamento, que lhe garantam a manutenção de padrão de vida.

Tem-se que as instituições financeiras tornam-se responsáveis pela “sociedade do endividamento[ii], como descrito pelo Professor Lopes (1996, p. 111) “Em geral, a questão, do ponto de vista do direito, é tratada como um problema pessoal (moral, muitas vezes) cuja solução passa apenas pela execução pura e simples do devedor. Esquece-se que o endividamento depende de que o consumidor tenha tido acesso ao crédito (responsabilidade do credor), que tenha sido estimulado e incentivado a consumir e a consumir a crédito, que tenha sido vítima, em certos casos, de uma força maior social, qual seja, uma recessão, uma onda de desemprego […][iii].

Isso sem prejuízo de sanções outras, incluindo pela indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais.

Encerra-se, com a novidade legal, o fornecimento de crédito sem padrões, tornando-se as instituições financeiras objetivamente responsáveis pelo superendividamento do vulnerável nessa relação.

Cabe ao advogado ser a voz do consumidor perante os tribunais, externando a mais lídima justiça na aplicação da lei, trazendo ao seu constituinte a dignidade de adequar-se à sua realidade financeira face ao crédito fornecido sem critérios.

 

Do autor: Dr Luciano Aparecido Caetano de Souza, psicanalista, advogado, vice-presidente da Comissão e Direito do Consumidor da Subseção de Anápolis/GO.

 

[i] REsp1.186.965-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 3/5/2010.“A Turma  entendeu que, ante a natureza alimentar do salário e em respeito   ao     princípio    da     razoabilidade,      os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação
facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% dos vencimentos do trabalhador.

[ii](MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006 p. 231)

[iii] LOPES, José Reinaldo de Lima. Crédito ao consumidor e superendividamento: uma problemática geral. Brasília: Revista de Informação Legislativa. A. 33 n. 129 jan./mar. 1996. Id/496861




Por: Dr. Luciano Aparecido Caetano de Souza

Psicanalista, Advogado, Vice-Presidente da Comissão e Direito do Consumidor da Subseção de Anápolis/GO.
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