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O afastamento do trabalho da mulher vítima de violência doméstica:
O PERCURSO E REQUISITOS PARA A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO
Como sabemos é de amplo conhecimento público que na sociedade ocidental, durante um longo período, prevaleceu a ideia de que as mulheres não tinham acesso, ou não deveriam ter, acesso a uma ampla gama de direitos, dentre os quais, podemos citar exemplarmente, o exercício de direitos políticos, o que no Brasil só foi concretizado com a edição do Decreto n° 21.076, em 1932, que criou a Justiça Eleitoral, no governo do então Presidente Getúlio Vargas, embora a luta feminina pelo direito ao voto tenha se originado com o denominado ‘Movimento Sufragista’, ainda no século XIX, reforçado por diversos movimentos feministas no início do século XX. Portanto, é de se notar que, no contexto histórico, é de data recente o conceito de igualdade e equidade de direitos entre homens e mulheres.
Esse tipo de pensamento, que pode ser descrito genericamente como “preconceito” em relação às mulheres, levou-as, imperiosamente, a lutarem e buscarem a consecução e ampliação dos seus direitos, seja reivindicando melhores oportunidades de acesso ao trabalho e serviços públicos em todos os aspectos, com vistas a obter condições dignas frente a ‘condição feminina’, e, enfim, para que fosse afastada toda e qualquer discriminação de gênero, o que, registramos, cuida-se de uma construção contínua e por tempo indeterminado.
É certo que os movimentos sociais, em especial aqueles da segunda metade do século XX e do atual ciclo, muito contribuíram para efetivar os direitos fundamentais atualmente consagrados na maioria dos países ocidentais, e às(aos) nacionais resta claramente previsto no art. 3º da Constituição Federal, que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ao perceberem e se conscientizarem que poderiam usufruir de direitos comuns, tais como: viver livremente; ter autonomia para trabalhar, casar ou viajar; desencadeando e fortalecendo inúmeros movimentos sociais que contribuíram para o surgimento e sedimentação de diversas normas fundamentais, como a CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER, de 1979, que defere reconhecimento e dimensão internacional, assegurando às mulheres respaldo e merecida proteção, do qual o Brasil tornou-se signatário a partir de 1981, e que dentre os instrumentos jurídicos, por meio do Decreto n° 4.377/2002, foi incorporada ao compêndio legislativo nacional, com uma pequena reserva de não aplicação do art. 29, que diz respeito ao arbitramento internacional, e isso para evitar que seja maculada a soberania do Estado Brasileiro.
A chamada “Lei Maria da Penha” (Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006), surgiu somente após decorridos 18 anos da promulgação da atual Constituição Federal; e, mesmo passados 17 anos da sua vigência ainda existem incertezas quanto à extensão na proteção às mulheres vítimas de violência doméstica. Além de punir o agressor, essa legislação contém dispositivos para afastar a mulher de situações onde ela possa ser agredida, como é o caso do afastamento e transferência do local de trabalho. Conforme a lei, o juiz competente pode determinar o afastamento ou a transferência da vítima de violência doméstica do ambiente de trabalho por até seis meses, período no qual é proibido que empresas privadas demitam a funcionária mulher na situação de proteção do Estado, conforme previsão contida no artigo 9º, parágrafo 2º, inciso II.
A lei assegura que, na iniciativa privada, quando houver a necessidade de afastamento do local de trabalho por até seis meses, o vínculo trabalhista será mantido. Caso a mulher seja funcionária pública, é possível que seja transferida para outra unidade, tanto da administração direta quanto indireta. O afastamento não decorre de uma relação de trabalho, mas sim de uma situação emergencial, com o objetivo de garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher e, se for o caso, também dos filhos a ela vinculados.
Dessa forma, a mulher que sofre violência doméstica e entra com um processo criminal contra o agressor pode solicitar, como medida de proteção de sua integridade física e moral, não só o distanciamento do agressor/ameaçador, mas também o seu próprio afastamento do trabalho. Caso seja deferido, também lhe é garantido um meio de subsistência durante o período de afastamento (limitado a 6 meses), pois equivale a um afastamento previdenciário por motivo de doença comum.
Surge aqui uma indagação quanto a necessidade de declaração expressa do juiz de tal direito quando da emissão da Medida Protetiva de Urgência, ou se bastaria, no âmbito do setor público, decisão administrativa que desse exaurimento do ato judicial e concretizasse esse direito.
Pois bem, no âmbito da Procuradoria-Geral do Município, em precedente já analisado e que fora objeto de orientação jurídica, tendo em vista os fundamentos da República Federativa do Brasil, e especial o da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, inciso III, da CF/88), que só é efetivado com a garantia do bem estar individual e dos meios mínimos de subsistência; e, ainda, em vista do disposto no art. 6º do texto constitucional, que dispõe que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, concluindo que não há óbice que a servidora beneficiária da MPU continue a receber os vencimentos, dada a situação de excepcionalidade que ensejou a Tutela Jurisdicional do Estado, isso independente de declaração expressa.
Enfim, na condição de articulista, considero correta a orientação da Procuradoria-Geral do Município, posto que a intenção da lei é facilitar a adoção de toda e qualquer medida que venha a reforçar o escopo protetivo à mulher.
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