INFORMATIVO OAB ANÁPÓLIS
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1. A problemática da informalidade empresarial do país.
Que o Brasil é o paraíso da informalidade empresarial é de conhecimento geral. Esse é um óbice histórico ao desenvolvimento econômico
da nação e, indiretamente, à criação de emprego e renda, ao enriquecimento do Estado (lacto sensu) e desenvolvimento do mercado de consumo.
De início, constata-se que a burocratização da atividade econômica no país é uma das causas desse desacerto, sem adentrar à discussão do custo de manutenção da atividade empresarial, que é altíssimo. A informalidade causa um impacto catastrófico numa análise (macro) econômica, já que engessa o engrandecimento do país e lança entusiasmo ao exercício de atividade comercial informal, que não beneficia a ninguém.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas)1 constantemente debruça-se sobre a questão, avaliando o déficit ou superávit de
empresas ativas em períodos específicos. Tais dados estatísticos são utilizados para a criação ou não de políticas públicas para fomento da atividade empresarial. Cita-se pesquisa de 2016, que ratifica o cenário inicialmente constatado:
É importante destacar que, assim como ocorreu em 2014 e
2015, o saldo de empresas, registrado pela diferença entre
entradas e saídas, foi negativo, uma vez que as saídas
totalizaram 719,6 mil empresas, e as entradas somaram 648,5
mil. Na comparação com 2015, houve um decréscimo de
1,6% no número de empresas (70,8 mil), queda de 4,2% no
1 https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101612.pdf
pessoal ocupado total (1,7 milhão) e queda de 4,8% no
pessoal ocupado assalariado (1,6 milhão).
Tal perspectiva já havia sido constada pelo SEBRAE. Veja-se:
O novo modelo de sociedade empresária proposto, de acordo
com o proponente traria, portanto, grandes contribuições para a
melhor organização desse importante segmento de negócios, na
medida em que, segundo dados do Sebrae, responde por
mais de 80% da geração de empregos, devendo incentivar a
formalização de milhares de empreendedores, com reflexos
na atividade econômica geral e na arrecadação de impostos.
Nesse cenário, medidas normativas de combate à informalidade da atividade empresarial eram e continuam sendo necessárias.
2. Formação das Sociedades Unipessoais (EIRELIs) no mundo jurídico.
A presente narrativa restringe-se apenas a pensar acerca das sociedades individuais de natureza limitadas e os impactos dela sobre a
informalidade ou o contrário. Para tanto, destaca-se o teor do artigo 980-A da Lei 10.406/2002:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada
será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do
capital social, devidamente integralizado, que não será inferior
a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
A propósito, Paulo Leonardo Vilela Cardoso² diz:
Esta lei veio justamente para pôr fim a uma angustia sentida há
tempos por milhares de empreendedores brasileiros que,
desejando montar o seu negócio, viam-se na obrigação de
associar-se a alguém, geralmente um parente ou amigo
próximo, para dar início à sua atividade econômica, com o
objetivo de ter a segurança de proteção aos bens pessoais e
familiares somente conferidos até então por intermédio de
sociedades limitadas.
Não há qualquer crítica quanto a criação das denominadas EIRELI’s. O juízo de valor crítico cinge-se à concepção de requisito para criação da empresa individual de responsabilidade limitada, que só poderá ocorrer quando o capital, devidamente integralizado, corresponder a, no mínimo, cem vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Verifica-se uma suposta violação ao princípio da livre iniciativa, previsto no art. 170, caput, da Carta Política, uma vez que a exigência em
questão representa um claro cerceamento a possibilidade de abertura de empresas individual de responsabilidade limitada por pequenos
empreendedores, como trataremos pormenorizadamente a seguir.
2 Paulo Leonardo Vilela Cardoso. O Empresário de Responsabilidade Limitada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 119.
Lado outro, em superficial análise infraconstitucional, que o dispositivo ora guerreado não apresenta qualquer razoabilidade, posto que a
legislação não estabelece exigência de capital mínimo para a abertura, por exemplo, de uma sociedade de responsabilidade limitada. Urge a seguinte indagação: Por que somente a empresa individual de responsabilidade limitada deve se sujeitar a um capital mínimo?
As disposições legais foram instituídas pela Lei 12.441/2011, e criaram no sistema jurídico societário a figura da também denominada
Sociedade Unipessoal. A referida lei foi originada a partir da aprovação do Projeto de Lei 4605/20093 , de autoria do Deputado Federal Marcos Montes (DEM/MG). O proponente legislativo, na sua exposição de motivos, em suma, justifica a relevância do ato normativo para combater a informalidade e majorar a arrecadação fiscal do Estado, a partir do fomento à formalização de sociedades empresariais que, outrora, eram desenvolvidas na informalidade da atuação empresarial ou a figuração de sociedades limitadas com sócios “de faz de conta”.
Ao analisar o pano de fundo social para a aprovação do outrora Projeto de Lei, corrobora a narrativa a doutrina4:
O pano de fundo de tais discussões foi facilitar e estimular o
acesso ao mercado, a livre iniciativa, bem como simplificar a
liberdade de contratar por meio do controle concentrado da
pessoa jurídica em uma pessoa natural.
3 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=422915
4 Fábio Pugliesi, Daniel Mayerle Andrey e Ricardo Machado. Os Direitos e as Obrigações do Titular do
Capital Social da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), n. 66, p. 305-326, jul. 2013.
Até esse ponto, não há divergência. O Estado, por meio de criação de normas, por vezes deve combater a informalidade no exercício da atividade empresarial, especialmente tão existente em um sistema judiciário empresarial tão complexo e relevante, como o brasileiro.
3. Garantias negociais a terceiros na formação do capital social das Sociedades Unipessoais.
O ato legislativo servia com o propósito de permitir que o empresário individual pudesse explorar atividade econômica sem colocar em risco seus bens pessoais, tornando mais claros os limites da garantia oferecida a terceiros, sendo esse o único fundamento relevante a aprovação de medidas restritivas.
A argumento utilizado para fundamentar a imposição legal de capital social mínimo para a constituição da EIRELI se sustenta na ideia de tutelar os interesses dos credores, visto que, ao determinar tal valor, a monta pecuniária atua como uma espécie de garantidora a terceiros que celebrarão negócios jurídicos com a empresa, criando uma expectativa do cumprimento das obrigações contraídas.
Segundo a doutrina de Abrão5:
O legislador buscou três vertentes que conseguisse amparar a
atividade empresarial individual. A primeira, diz respeito ao
exemplo de pequeno empreendedor para que ocorra a
regularização de sua atividade, a segunda fala a respeito da
constituição do capital social, objetivando 100 salários mínimos
para o teto base, e não obstante a ultima aduz a respeito da
responsabilidade vinculada ao valor empregado.
Parte da doutrina defende tal determinação legal, conforme cita Sahran Junior6:
A lei foi bastante capaz ao instituir a empresa individual de
responsabilidade limitada, objetivando diminuir o número
de Sociedades Limitadas fictícias. Mas, ao mesmo tempo, o
autor entende que exigir que haja a integralização de, no mínimo
cem salários mínimos, de forma imediata, também pode levar à
constituição de empresas individuais fictícias.
5 ABRÃO, Carlos Henrique. Empresa Individual: Eireli Lei 12.441/2011 e Instrução normativa 117/2011. São Paulo: Atlas, 2012.
6 Sahuel Sahran Junior. Direito Empresarial. Manual teórico e prático de direito comercial. Editora Del Rey. SP. 2012.
Ainda que haja reconhecida virtude na intenção do legislador, a questão é mais avançada, já que a exigência, aparentemente fere isonomia ao tratamento entre modalidades de sociedades empresariais, não sendo o argumento da garantia mercadológica suficiente para o sustento da exigência.
Sobre a questão, a doutrina de André Luiz Santa Cruz Ramos7 questiona exatamente a diferença de tratamento com as demais sociedades:
Com efeito, no Brasil não existe nenhuma regra legal que exija
capital mínimo para a constituição de sociedades, razão pela
qual é questionável a referida exigência para a constituição de
EIRELI.
Ademais, a exigência do capital mínimo apenas para constituição das denominadas EIRELI’s incentiva a constituição de sociedades em outras modalidades, com capital inferior, adotando a figura do sócio “faz-de-conta”, criando os mesmos embaraços aos credores.
4. Fictas violações constitucionais. Art. 980-A do Código Civil
A aprovação do artigo 980-A do Código Civil depôs contra a própria justificativa presente na Exposição de Motivos contida no Projeto de Lei. Explicase.
Num primeiro argumento que, a criação de limites mínimos para a constituição de EIRELI obstaculiza o empreendedor interessado e cria
embaraços, especialmente quando tais requisitos mínimos são alinhados em patamares econômicos tão altos, como a imposição de 100 salários mínimos, na cotação atual, no valor de R$ 104.500,00 (cento e quatro mil e quinhentos reais).
É sabido que o Brasil não possui o melhor dos cenários para o empreendedorismo. O ambiente normativo, de modo geral, é inóspito,
burocrático e ofensivo ao desenvolvimento empresarial, especialmente no processo de criação, dada a cultura que incentiva a informalidade e que não possui construção educacional que fomente uma cultura desenvolvimentista.
André Luiz Santa Cruz Ramos. Direito Empresarial. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 80.
4.1. Indexação do Capital Social ao Salário Mínimo. Artigo 7o, , inciso IV da CF/88.
Segundo, o salário mínimo não pode ser utilizado como critério de indexação para a determinação do capital mínimo necessário para a abertura de empresas individuais de responsabilidade limitada, já que a imposição de tal exigência esbarra na proibição de vinculação do salário mínimo para qualquer fim, prevista no inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, que prevê:
IV. Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de
sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada
sua vinculação para qualquer fim;
Para a doutrina de Marlon Tomazette8, entretanto, não há constitucionalidade à vinculação salarial:
Não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade no citado
capital mínimo, uma vez que só há vedação para a vinculação
ao salário-mínimo para fins de remuneração e, de outro lado,
não há afronta à livre iniciativa, mas apenas uma exigência legal
para o exercício da atividade sob essa forma.
Nesse ponto, manifesta-se razoável o argumento doutrinário, uma vez que a referência ao salário mínimo não é indexadora, mas tão somente referencial, inexistindo obrigação de nova complementação sempre que houver
atualização da referencial anualmente.
4.2. Livre Iniciativa. Art. 170 da CF/88.
Em terceiro lugar, há também uma suspeita violação ao artigo 170 da Constituição Federal, que dispõe sobre a Livre Iniciativa, Livre Concorrência e também ao tratamento favorecido às empresas do pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras.
8 Marlon Tomazetti. Curso de direito empresaria: teoria geral e direito societário, Editora Atlas, São Paulo,
2018, p. 64.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
IV – livre concorrência; (…) IX – tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras
e que tenham sua sede e administração no País.
Tal reinvindicação legal um claro cerceamento à possibilidade de abertura de empresas individuais de responsabilidade limitada por pequenos empreendedores. Anote-se que, na esteira do inciso IX da norma constitucional, deverá o Estado compor-se de medidas incentivadoras ao fomento da atividade empresarial por micro e pequenas empresas.
Tem-se, assim, que a ausência de tratamento diferenciado à essa modalidade de empreendedores agride à livre iniciativa do setor, porquanto praticamente inviabiliza que esse seguimento se valha da modalidade sociedade, não por argumento econômico, mas por fatores sociais, já que a maioria delas é incapaz de constituir imediatamente um capital societário tão elevado.
Nesse ponto, avalia-se que a livre iniciativa supera um argumento econômico e descamba para a realização pessoal do empreendedor, no projeto de vida profissional e na colocação social do ser humano por trás da atividade empresarial. A imposição final do dispositivo, especialmente diante da constante crise e da necessidade de integralização imediata, imposta pelo art. 680-A, possui enorme capacidade de criar embaraço ao desenvolvimento econômico dessa modalidade de sociedade.
5. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4637
Por fim, a questão será resolvida através do julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4637, que pretende demonstrar a manifesta inconstitucionalidade da parte final do caput do art. 980-A do Código Civil, com a redação conferida pelo art. 2° da Lei n° 12.441, de 11 de julho de 2011, que está pendente de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
Deixa-se claro que a demanda de controle de constitucionalidade busca o reconhecimento apenas da parte legal do dispositivo, que exige valores mínimos para constituição de capital social, e não combate a criação do instituto societário da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Já há nos autos parecer desfavorável à pretensão por parte da Procuradoria Geral da República, que pode orientar a corte em sentido contrário à pretensão.
6. Conclusão.
Não há atrevimento em exaurir-se a discussão de forma tão objetiva. Ao contrário, busca-se sobretudo a instigação do tema aos juristas e leitores em geral, especialmente aqueles que se debruçam sobre o Direito Empresarial, sempre perscrutando discussões práticas que trarão soluções facilitadas ao diaa-dia do empresário e de seu corpo administrativo.
Fato é que, em um cenário tão inóspito ao empresariado e ao empreendedorismo como o brasileiro, que também fomenta a burocracia, as
normas devem sempre que possível privilegiar a Livre Iniciativa e o Desenvolvimento Econômico, garantindo a manutenção da atividade econômica e o exercício da função social das empresas.
Anápolis/GO, 25 de Setembro de 2020.
DANILO LOPES BALIZA
OAB/GO 35.619
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